domingo, 25 de abril de 2010

Capítulo 4
-As Primeiras pessoas da Terra

Boozhoo! É bom vê-los novamente. Mas já se passou um longo tempo desde que conversamos. Desta vez, este ensinamento nos leva à primeira união entre o homem e a mulher na terra e eu gostaria de apresentar alguém muito especial para vocês. Esta é a mulher que tem muito significado para minha vida. Esta é a minha mulher Nokomis. Ela recebeu este nome para honrar todas as avós, assim como no tempo da avó do Homem Original. Ela entrará na nossa história neste momento.

Boozhoo! É uma grande honra para mim, Nokomis, compartilhar com vocês o ensino dos primeiros povos da Terra.

Quando nós deixamos o Homem Original em nosso último capítulo, ele estava deixando a tenda de sua avó para procurar sua mãe, seu pai e seu irmão gêmeo. As últimas palavras de sua Avó foram: “De agora em diante vou chamá-lo ‘Anishinabe’” e de agora em diante nós vamos usar este nome quando nos referirmos ao Homem Original durante estes ensinamentos.”
Anishinabe percebeu que seu pai vivia no Oeste, na terra do Ani-mi-keeg’ (seres trovão). Ele viajou nesta direção e usou o movimento do sol no céu para guiá-lo em um caminho certo. Ele teve que viajar dando a volta em muitos lagos e atravessar muitos córregos.
Uma noite, ele fez seu acampamento na costa oeste de um grande lago. Na manhã seguinte, ele acordou com uma bela na-ga-moon’ (música) que parecia flutuar sobre a água do lago. Ela veio com os primeiros raios do sol do novo dia do Leste. Não importava o quanto Anishinabe se esforçava para olhar, pois ele não conseguia distinguir quem ou o que estava produzindo aquela bela canção. Sabia que devia continuar na sua viagem para o Oeste caso quisesse encontrar seu pai, e mesmo assim, essa música o estava chamando de volta para o Leste. Ele se esforçava numa luta interna pensando no que deveria fazer. Finalmente, decidiu deixar de lado a busca por seu pai e seguir para o Leste em busca da origem da bela canção.
Anishinabe fez a canoa de casca de Wee'-gwas (bétula, a árvore). Isto levou quatro dias. Todos os dias, ao amanhecer e ao anoitecer, a música se repetia. Na madrugada do quinto dia, ele entrou na nova jee-mon’ (canoa). Com remo que ele tinha esculpido a partir de uma nogueira, Anishinabe atravessou as águas na direção ao Sol nascente e à bela canção.
Quando o sol estava se pondo atrás dele no Oeste do céu, Anishinabe chegou à costa leste do lago. Lá ele viu uma bela wee-giwahm´ (tenda) feita de mudas e casca de bétulas. A Baw-shki’-na-way’ (fumaça) bailava do topo da tenda. Anishinabe colocou sua canoa e se aproximou dessa “tenda cantante” com muito cuidado
A porta da tenda era voltada para o sol poente. Quando ele olhou para o interior, ele perdeu a respiração. Os raios do Sol poente estavam brilhando sobre a Filha do Homem do Fogo! O que ele havia sentido quando a tinha visto com o Homem do Fogo pela primeira vez voltou e ele pensou que iria estourar de alegria. Sua beleza era estonteante!
Sua música parou e ela falou: “Geen-wayzh'in-da-ka-wa-ba-min” (Há muito tempo que aguardo a sua vinda). "Eu preparei este lugar para nós.” Anishinabe olhou em volta. Ele se encontrava na tenda mais bonita que já tinha visto. O chão estava coberto de peles de muitos animais. No meio havia uma pequena fogueira que continha um fogo acolhedor. Anishinabe estava tão cheio de felicidade! Agora lhe parecia claro que o Criador lhe havia levado a este lugar e tempo. Ele entendeu que muitas vezes temos que colocar nossos próprios planos e desejos de lado e seguirmos os caminhos que o grande mistério coloca diante de nós.
Anishinabe e a Filha do Homem do Fogo formaram um we-di-gay'-win "(união ou casamento) entre homem e mulher que nunca havia sido formado na Mãe Terra. Sua união foi consumada e sagrada aos olhos do Gitchie Manito. O zah-gi'-di-win´ (amor), que fluía entre eles era real e duradouro. Anishinabe se lembrava de como a Filha do Homem do Fogo estava bela quando a viu iluminada pelos raios do sol poente. Decidiu, então, que para ajudar a preservar essa beleza na mulher, tomaria para si a responsabilidade de fazer as coisas mais árduas que fossem necessárias para a sua sobrevivência. Cada um moldou seus papéis para que houvesse boa comida e sua casa fosse ao mesmo tempo bonita e confortável. A coisa mais importante que Anishinabe vinculava à Filha do Homem do Fogo era a sensação de ma-na'-ji-win’ (respeito) que partilhavam entre si. Este fundamento de respeito foi muito importante para guiar uniões futuras entre homens e mulheres.

Da união de Anishinabe e a Filha do Homem do Fogo, quatro gwe-wi-zayn'-sug’ (Filhos) nasceram. Eles foram criados com os ensinamentos que Anishinabe havia aprendido de sua Avó e de suas jornadas ao redor da Terra.
Quando esses filhos se tornaram jovens, Anishinabe e a Filha do Homem do Fogo enviaram cada um deles a uma longa viagem. Cada filho foi enviado para uma das quatro direções.
O filho chamado Gi-way’-din viajou para o Norte. Depois de viajar por um longo tempo, ele chegou a um lugar onde uma fogueira ardia sobre a Terra. Por trás desse fogo estava sentado um homem velho e jovem e uma mulher jovem e muito bonita.
"Eu sou o Ish-kwan-day'-wi-nini (Homem da Porta ou Guardião do Portal) do Norte e essa é minha Filha”, disse ele. “Você está entrando em uma terra onde a Mãe Terra é purificada todos os anos por uma grande quantidade de neve. Mesmo os grandes lagos e rios nessa região ficam congelados no ciclo da Mãe Terra. Esta é a casa do Poder do Urso. O Poderoso do Urso é o guardião dos muitos segredos de como as doenças podem ser curadas. Haverá épocas em que luzes coloridas virão para o céu do Norte. Elas são chamadas de Wa-wa-sayg’ (Aurora Boreal). Elas saem para dançar, quando o Poder do Urso está no seu auge”.
Nesta hora, o Guardião do Portal Norte ateou fogo a uma longa trança de grama. "Este é We-skwu 'ma-shko seh' (Capim Doce ou Sweetgrass). Foi a primeira planta a crescer na Mãe Terra. Por esta razão, nós trançamos essa grama como se fosse o cabelo da sua Mãe. A fumaça do Sweetgrass(Capim Doce) irá manter o mal longe da sua casa e vai mantê-lo seguro durante as suas viagens.”
Este filho viajou e explorou a beleza do Norte. Às vezes ele via as luzes no céu do Norte das quais o Guardião havia falado. Ele percebeu que todas as cores do Universo vinham e dançavam com a estrela do mundo.
O filho chamado Wa-bun’ viajou para o Leste. Depois de caminhar por longos caminhos, ele também chegou a uma fogueira cuidada por um homem velho e uma jovem mulher.
“Eu sou Ish-kwan-day’-wi-nini (Guardião) do Leste”, ele disse. “A fonte de todo conhecimento. Na sua viagem preste atenção em todas as coisas que a sua Mãe Terra tem para lhe ensinar. Eu gostaria de ensiná-lo sobre Ah-say-ma’ (Tabaco)”. O Guardião colocou algum tabaco no fogo. “O fumo do tabaco vai levar seus pensamentos para o Mundo Espiritual. Sua fumaça será seus pensamentos visíveis. Você deve usar o tabaco quando você quiser falar com o seu Avô, o Criador”.
Este filho continuou em sua viagem e finalmente chegou a uma enorme quantidade de zhe-wi-ta'-ga-ni-bi (água salgada). Lá ele saldou o sol todas as manhãs quando ele se levantava sobre a água. O nascer do sol a cada manhã parecia para este filho ser um verdadeiro ma-ma-ka'-ji-win "(milagre), que falava para ele da harmonia de toda a Criação. Também lhe ensinou que o fluxo do conhecimento e sabedoria deste mundo é infinito e cada dia oferece novas experiências e aprendizados.
O filho chamado Zha-wan' viajou para o Sul e chegou a uma terra quente onde os ventos suaves sopraram a maior parte do ano. As florestas desta terra eram de árvores de grande porte e vinhas. Os rios eram sinuosos e subiam e desciam em grandes ondulações sobre a terra. Finalmente, ele chegou a um lugar onde um homem velho e uma jovem muito bonita pareciam estar esperando por ele perto de uma fogueira.
O velho falou: "Eu sou o Ish-kwan-day'wi-nini (Guardião) do Sul. Esta é a terra de nascimento e crescimento. Esta terra está cheia das canções dos pássaros. Alguns dos pássaros vêm aqui todos os anos para escapar do rígido inverno do hemisfério norte. Quando o inverno é longo, os pássaros voam desta terra fértil e carregam consigo as de gi-ti-gay'-mi-non ' (sementes) da vida. Desta forma, a vida é alimentada em cada uma das quatro direções.”
O Guardião colocou um punhado de alguma coisa no fogo. Isto estalou e exalou um cheiro doce e medicinal. “Este é o Gi-shee-kan'dug (cedrinho)", disse. "Use isto para purificar seu corpo da doença e para protegê-lo do mal.”
O filho deixou o Guardião e sua filha e continuou sua viagem pela terra do Sul.

O filho chamado Ning-ga'-be-un viajou para o Oeste. Depois de ter andado por algum tempo notou que seu caminho estava bloqueado por chi'-wa-ji-wan (enormes montanhas), que estavam cobertas por pedras, florestas e prados. Algumas destas montanhas eram tão altas que o ar era pouco para se respirar, além da neve cobrir a terra em alguns lugares durante todo o ano. Depois de cruzar as montanhas, ele chegou a uma terra onde não havia água em lugar nenhum. Os dias eram gi-zhi-day’ (quentes) e as noites eram gi-si-naw’ (frias). Este Filho ficou surpreso com tantos tipos de plantas e animais que eram capazes de viver nesta terra seca. Ele se apressou para encontrar mais florestas e montanhas. Finalmente, ele chegou a um lugar onde um homem velho e uma jovem mulher esperavam junto a uma fogueira.
O velho disse: "Eu sou o Ish-kwan-day'-wi-nini (Guardião) do Oeste. Gostaria de lhe dar Mush’-ko-day-wushk '(Sálvia). Quando ele disse isso colocou uma folha prateada sobre o fogo. A fumaça tinha um cheiro forte. “A fumaça desta planta pode ser usada para purificar seu corpo e o seu entorno alem de mantê-lo com boa saúde. A terra do Oeste é o lugar onde o Sol se põe. E depois do lugar onde o Sol se põe é onde os gee-baw'-ug (espíritos) têm suas casas. É para este mundo que todos os espíritos viajam depois que suas vidas terminam na Terra. Você deve ter cuidado para não temer estes espíritos nem o caminho dos que partiram. Ao invés disso, aprecie as alegrias da vida com as quais você é abençoado nesta Terra.
O filho continuou seu caminho e vagou pelas terras do Oeste. Ele também chegou a uma enorme quantidade de água com sabor de sal. O Sol poente parecia representar a conclusão do ciclo de vida.
Após os quatro filhos terem explorado estas terras cada qual voltou para os Portais destas direções e pediram aos Guardiões permissão para levar as suas Filhas e construírem lares para si. “Cada um destes casais descobriu a felicidade de we-di-gay’-win”. Eles formaram círculos que eram fortes e inquebráveis. Estes círculos representavam a harmonia e plenitude que pode acontecer quando o homem e a mulher juntam suas vidas de uma maneira sagrada.

As uniões de cada uma destas novas famílias foram abençoadas com nee-jaw-ni-sug’ (crianças). Não se passaram muitos anos até que essas crianças crescessem para viajar e estabelecer suas próprias famílias.As tribos começaram a crescer. Havia apenas umas poucas pessoas vivendo aqui e ali, mas em cada uma das quatro direções havia o som de caça, canto, riso, construção de cabanas, ensinamentos e todas as coisas necessárias ao desenvolvimento da vida de uma forma harmoniosa.
A vida em alguns lugares era difícil para o povo. Diz-se que houve uma época em que o gelo veio do Norte e cobriu grande parte da Terra. Em algumas aldeias, alguns homens teriam que correr por longas distâncias sobre o gelo e neve para se comunicar com outras aldeias e encontrar ervas medicinais e vegetais que alimentassem e que só eram encontrados aqui e ali na Terra. A tarefa dos corredores foi dificultada pelo fato de que as grandes camadas de gelo sobre a Terra mudavam gradualmente de modo que os caminhos onde existiam os vegetais para alimentação e medicamentos mudavam de tempos em tempos. Essas pessoas que viviam nessas vastas extensões de gelo e neve foram chamadas Oh-kwa-ming'-nini-wug’ "(Homens do Gelo). Os homens que se especializaram como os corredores eram uma raça especial de homens. Por causa dos seus sacrifícios para o povo, foi-lhes dado um alto lugar de honra.
Tem sido contado através das eras, que uma vez um grupo de corredores encontrou filhotes de lobo no deserto congelando e os levou para a aldeia. Eles pensavam que os filhotes poderiam ser criados como cães e cozidos e comidos, se em algum momento as pessoas tivessem alguma necessidade desesperada de alimento. Os filhotes, porém, quiseram buscar outro caminho para se tornarem úteis para as pessoas. Quando eles cresceram, começaram a ir ao encontro dos corredores exaustos e levá-los para casa. Em uma ocasião, um dos maiores cães falou para os corredores e instruiu-os na elaboração de um zhoosh-ku'-da-bahn (trenó). Este cão contou-lhes como seis cães poderiam ser atrelados em um trenó e que isso levaria um homem muito mais rápido e mais longe sobre a neve. Eles poderiam ampliar sua comunicação com outras aldeias e as suas expedições para conseguir recolher alimentos.
Esta Iigação do homem e do cão foi muito importante, pois combinou a inteligência do homem com a intuição do cão. Se um homem se perdia no deserto, aos cães poderiam levá-lo de volta para casa. Esta união do homem e do cão também foi importante porque lembrava o ensino do vínculo que existia entre Anishinabe e o Lobo em suas jornadas pela Terra.
O número sete, obtido pela união dos seis cães e um homem sobre o trenó, tornou-se um número muito especial para o povo da Terra a medida que os seus caminhos espirituais se desenvolveram.
Não importa o quanto a vida era difícil para o primeiro povo da Terra. Todos os dias eram reconhecidos como portadores de experiências bonitas e novas lições a serem aprendidas do mundo que os cercava. As o-day-nah-wayn'-sun’ (pequenas aldeias) do povo cresciam. Novas aldeias foram formadas aqui e ali, em toda a Mãe Terra.
Termino este ensinamento aqui. Mishomis e eu vamos continuar na próxima vez com as histórias que foram passadas para nós de como a vida se desenvolveu para estes primeiros povos da Terra. Mi-gwetch’ (Obrigada)!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Capítulo III
-O Homem Original e Sua Avó – No-ko-mis (Avó Lua)
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--Boozo! É muito importante que vocês possam se reunir na minha casa e ouvir esses antigos ensinamentos Ojibway. Eu tenho muito a lhes contar.
--Nós terminamos o nosso ensinamento da outra vez quando o Criador separou os caminhos do Homem Original e o do Lobo. Depois que isso aconteceu, o Homem Original caminhou na Terra e se deu conta de que muitos milagres o rodeavam. Ele não entendia muito das coisas que ele via então ele levou esses questionamentos ao seu Avô, o Criador.
--O Criador respondeu, “Cruzando um vasto lago vive sua No-ko’-mis (Avó). Ela não é do mundo pelo qual você caminhou; ela tem a sabedoria dos espíritos. Vá até a sua casa, porque são os anciãos que carregam o conhecimento dessas coisas sobre as quais você quer saber”.
--O Homem Original começou a procurar pela Nokomis e chegou até uma grande expansão de água, mas por mais que tentasse, não conseguia entender como chegar do outro lado. Ele tentou caminhar primeiro numa direção e depois na outra, dando uma volta na água. Mas parecia que não havia um fim para aquela extensão.
Finalmente, ele estava tão cansado que resolveu sentar. Os ba-nay’-she-ug’ (pássaros) começaram a cantar sobre a sua cabeça. “Voe! Cruze voando,” eles cantaram. “É fácil!” Mas o Homem Original olhou para os seus braços e balançou a cabeça. Ele não foi feito para voar. Os gi-gounh-nug’ (peixe) começaram a pular para fora da água instigando-o e provocando-o. “Nade! Atravesse nadando”, eles disseram. “É divertido!” Mas o Homem Original olhou pros seus braços e pernas. Não, ele não era feito para nadar longas distâncias também.
O Homem Original perguntou a um dos peixes “Por favor! Atravesse a água pra mim e veja se a minha Avó realmente vive do outro lado”.
--O peixe nadou e ficou por lá por um longo tempo e demorou muito para voltar.
--Quando o Homem Original já estava desistindo de esperar, o peixe retornou.
-- “A sua Avó realmente vive do outro lado dessa água”, ele disse. “E ela espera pela sua chegada”.
O Homem Original pensou e pensou em como ele poderia atravessar aquela água. Ele teve uma idéia: poderia flutuar sobre um tronco. Ele deu uma olhada em volta e viu alguns castores trabalhando em um açude. Ele notou como eles cortavam as árvores com seus dentes afiados. O Homem Original encontrou para si uma boa ah-sin’ (pedra) e amolou-a até deixar uma ponta bem afiada. Ele amarrou isso a um prendedor de madeira com um pedaço de casca da Wee-goob-bee’ (tília americana). Com essa nova ferramenta ele cortou uma árvore e fez um grande tronco dela.
--O Homem Original carregou o tronco até a beira da grande água, limpou-o e pulou sobre ele. Era muito difícil se equilibrar sobre o tronco e ele caiu. E o Homem Original ficou todo molhado. Ele conseguiu nadar de volta até a praia empurrando o tronco.
--Ele pensou como poderia fazer para que o tronco flutuasse melhor. Ele lembrou que uma vez havia encontrado uma Gi’-tchie Man-a-meg’ (baleia) em uma de suas jornadas pela Terra. Mesmo esta sendo tão grande, ele não teve problema de nadar sobre ela, conseguindo se segurar nela sobre a água. Com o seu wa-ga-kwud’ (machado) o Homem Original esculpiu o fundo do tronco dando o mesmo formato da barriga da baleia. Ele até esculpiu um assento sobre o tronco para que ele pudesse sentar.
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--Novamente, o Homem Original lavou o tronco na água. Desta vez ele não teve problema para deixá-lo virado para cima, mas logo percebeu que estava flutuando a esmo. Então, um chi-noo’-din (grande vento) puxou o Homem Original e o seu tronco. Os ventos o sopraram prá longe de onde ele tinha começado, mas eles sopraram prá longe da beira e nem um pouco prá perto de Nokomis.
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--O Homem Original sabia que ele tinha que arranjar um jeito de manter o tronco se movendo na mesma direção. Ele se lembrou como era um bom nadador Ah-mik’ (castor) e que Ah-mik’ tinha um pé largo como uma nadadeira e um rabo plano. O Homem Original levou um tempo grande para entender qual seria a melhor madeira para fabricar o instrumento que ele tinha em mente. Finalmente, ele selecionou um pedaço de nogueira e com um machado ele esculpiu um Ah-bwi’ (remo) bem parecido com o pé e o rabo do Ah-mik’.
--Mais uma vez, o Homem Original continuou na sua Ba-ba’-ma-di-zi-win’ (jornada). Ele conseguiu uma boa velocidade em sua canoa escavada e seu novo remo. Mas ele nunca pensou em levar comida e água consigo na canoa. Logo ele começou a ter fome e sede. Ele tentou beber da grande água, mas ela tinha gosto de zhe-wa-ta’-gun (sal). Ele já estava para voltar atrás de comida e água quando se apercebeu que ainda estava bem perto de onde ele havia começado, mesmo que tivesse remado o dia todo. Percebam o Homem Original não entendia como remar numa linha reta. Durante todo o dia ele tinha feito um grande gi-we-tash’-skad (círculo).
--O Homem Original voltou para a beira e descansou e pensou sobre todos os erros que havia cometido. Quando ele se sentiu mais forte para começar na sua quarta tentativa para atravessar a grande água, o Homem Original colocou o Ah-say-ma’ (Tabaco), na água e pediu ao criador por uma jornada segura e de sucesso. Todos os animais se reuniram em torno dele. Os pássaros se reuniram e cantaram uma na-ga-moon’ (canção para lhe dar força). Alguns animais choravam porque eles estavam tristes por ver o Homem Original partir numa jornada tão demorada e perigosa. Quando ele partiu, muitos pássaros voaram com ele enquanto ele remava. Muitos peixes nadaram com ele para lhe fazer companhia.
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--O Homem Original tinha aprendido com seus erros anteriores e desta vez ele trouxe reserva de água e comida. Desta vez ele ficou olhando o Sol e a Lua e a Gi-way’-din ah-nung (estrela norte) para lhe ajudar a viajar numa linha reta. Ele percebeu que havia certos pássaros grandes que poderiam voar perfeitamente em linha reta por muitos quilômetros e ele ajustou o seu remo para que a sua jornada fosse como a deles.
--O Homem Original tinha aprendido com tudo isso que o seu entorno lhe ensinava muitas coisas. O Criador tinha colocado muitas lições ao seu redor para lhe ensinar como viver em harmonia com tudo da Criação. Ele tinha que usar a sua mente – seu pensamento e razão – para descobrir ferramentas e melhores formas de fazer as coisas. Ele tinha que se preparar para os desafios de cada e todo dia.
--O Homem Original remou muitos dias até que finamente ele avistou o outro lado da água ainda muito distante. Quando chegou à beira, encontrou Nokomis em frente da sua cabaninha esperando por ele.
Ela lhe deu as boas vindas, lhe deu comida e fez com que ele descansasse. Enquanto descansava, o Homem Original começou a perceber que a Nokomis levava uma vida muito difícil cuidando de si mesma. Ela era muito velha para caçar e não conseguia mais fazer o que era preciso para pescar. Para se alimentar, ela tinha que procurar e comer as carniças que os grandes animais como Mu-kwa’ (urso) deixavam. No be-boong’ (inverno), era muito difícil para Nokomis. Ela não tinha água porque não tinha nem machado para cortar um buraquinho no gelo.
--O Homem Original tentou fazer a vida de Nokomis melhor. Ele lhe fez uma linda wee-gi-wahn’ (cabana) forrada com a pele mais fina dos animais.
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--Com a casca das árvores que ele coletou, Nokomis fez cestas e as selou com be-gew’ (sumo ou piche) de uma forma que elas pudessem ser usadas para carregar água. Com a Ah-gi-mak’ (restos de madeira) que ele coletou, a Nokomis fez cestas trançadas para estocar coisas. Com a pele dos animais que ele provia, Nokomis fez para ela e para ele belas roupas. Ela fez finos mocacins (sapatilhas de couro) para os seus pés. Ela usou cinzas de madeiras e o cérebro de Wa-wa-shkesh’-shi (veado) para fazer o couro mais mole. Ela usava raízes para dar cor e fazer as roupas bonitas. Ela fez um casaco de inverno para o Homem Original e uma bolsa especial para que ele pudesse carregar consigo todas as coisas que ele precisasse na sua jornada. Ela bordou bonitos desenhos florais na bolsa com diferentes cores de cabelo de alce. Dessa bolsa se originaram as bolsas que mais tarde o povo Ojibway passou a usar. Uma bolsa como essa passou a ser um símbolo de autoridade e os seus desenhos diziam sobre a pessoa que a carregava.
--Enquanto passavam as estações, o Homem Original e sua Avó viviam em harmonia com a Terra. Eles colhiam frutas silvestres e defumavam peixe e secavam carne, tudo de acordo com as estações. Eles estocavam muita comida para se prepararem para o inverno que se aproximava.

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--No inverno enquanto eles sentavam perto da wee-gi-wahm’ (lareira) tentando se aquecer, Nokomis contaria ao Homem Original muitas histórias. Ele tinha muitas perguntas a lhe fazer sobre os mistérios do Universo e ela lhe respondia da melhor forma que podia.
--Ele lhe perguntou, “Como o Universo começou e como a nossa Mãe Terra se tornou um ser?”
Nokomis respondeu, “Neto, primeiro houve o vazio no Universo. Não havia nada que preenchesse esse vazio além do som. E esse som era como aquele da she-she-gwun’ (maracá).”
Nós usamos hoje os maracás para imitar aquele som.
--Nokomis continuou, “Gitchie Manito era o primeiro pensamento. Ele enviou seus pensamentos para cada direção, mas eles se perdiam no além. Não havia nada que lhes enviasse de volta. Finalmente, Gitchie Manito tinha que chamar seus próprios pensamentos de volta. As estrelas que você vê à noite representam a trilha dos seus pensamentos.
-- “Primeiro, Gitchie Manito criou o Gee’-sis (Sol) prá que ele pudesse ver. Depois ele tentou criar outros objetos. Um era a Wa-bun’ah-nung’ (Estrela da Manhã) que nos diz a cada dia que o Sol se aproxima. Então, ele tentou criar um lugar no qual ele pudesse colocar vida. Numa de suas tentativas isso acabou sendo coberto por uma nuvem. Uma era uma rocha cheia de calor. E uma foi coberta com gelo. Na sua quarta tentativa ele criou a Terra. Ele gostou disso, então, ele colocou cantores nela em forma de pássaros. Os pássaros espalhavam as sementes da nova vida.

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-- “A Terra foi criada no Universo para que Gee’-sis (Sol) e Nee’-ba-gee-sis (Sol da Noite ou Lua) pudesse se alternar caminhando no céu cuidando da Criação. O Sol iria tomar conta durante o dia e a Lua iria tomar conta durante a noite.”
--É o movimento do Sol e da Lua que nós imitamos nas Cerimônias hoje quando nós passamos as coisas numa única direção.
--O HOMEM ORIGINAL aprendeu com a sua Avó que nós deveríamos prover os nossos anciãos porque eles nos provêem quando somos jovens e precisamos de direcionamento. Eles nos ensinam tudo que precisamos saber para vivermos nesse mundo. Seu trabalho com Nokomis lhe ensinou que nós devemos nos empenhar e trabalhar por coisas que venham a beneficiar os outros que estão perto da gente.
--Quando o inverno estava para terminar, o Homem Original se tornou mais e mais inquiridor. “Eu tenho uma mãe?” “Sim”, ela disse. “Não há beleza como a dela”. Ela estava relutante para dizer mais.
-- “Eu tenho um pai?” Ele perguntou. “Sim”, ele é muito perto da perfeição. “Ele só é o segundo se o compararmos ao Criador”. Mas, ela não iria dizer nada mais.
--Nokomis trabalhou arduamente numa roupa muito bonita para o Homem Original que ela disse que ele iria usar quando fosse conhecer o seu pai. Ela lhe preparou mentalmente e fisicamente para todas as coisas que ele iria enfrentar no futuro.
--Um dia, sua Avó lhe contou sobre ish-skwa-day’ (fogo). Ela disse, “Tem um Homem que cuida do Fogo. Você tem que ir até ele e lhe pedir um pouco dele para que a gente possa viver melhor. A sua jornada será dura e cheia de testes. Você deve manter seu coração e mente forte e se manter fiel em relação às coisas que lhe ensinei”.
--O Homem Original começou a sua jornada e chegou a uma vasta extensão de água. Usando agora as habilidades que ele havia adquirido anteriormente, rapidamente fez uma canoa e remou sobre a água. Logo chegou a um lugar rochoso no qual tinha que atravessar com muito cuidado para não cair. O Homem Original, então, chegou às planícies onde o vento nunca parava de soprar. Depois que atravessou isso, chegou a um lugar muito estranho. Parecia que havia existido lá um zah-ga-e-gun’ (lago). Toda a água havia secado e tudo parecia com o piche que a Nokomis usava para selar as cestas de cascas. Para evitar que ele afundasse no piche, o Homem Original amarrou um pedaço longo e fino de madeira embaixo de cada pé. Ele tentou caminhar com isso, mas logo atolou naquela substância preta e pegajosa. O Homem Original pensou duramente por um tempo sobre o que ele poderia fazer para atravessar aquele lugar estranho. Ele finalmente tentou untar a parte de baixo dessas pranchas com mush-ka-wuj’-i-be-mi-day (banha de veado ou sebo).

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--Com essa camada sob a madeira, descobriu que poderia deslizar facilmente sobre o lago de piche.
Ele pelo menos chegou até a cabana do Homem do Fogo. Ele ficou muito surpreso que aquele velho homem tinha uma filha jovem e muito bonita. Por ela ele sentiu algo que nunca havia sentido antes. Ele não conseguia entender isso. O Homem do Fogo foi muito severo com ele. Ele disse, “Eu lhe esperei por um longo período. Seu Avô, Gitchie Manito, me disse que você iria aparecer. Desde então muitos outros tentaram encontrar esse lugar, muitos tentaram me enganar, mas pude perceber que eles tinham forças perversas e que queriam usar o Fogo que eu tenho de uma forma errada. Perceba, o Fogo é um presente muito especial do Criador. Se você o respeita e toma conta dele ele vai tomar conta de você e lhe trazer calor. Mas, dentro da sua bondade existe também o mal. Se você negar fogo ou usá-lo de forma errada ele iria destruir toda a Criação. Muitas coisas na vida têm forças boas e más aprisionadas em si. A cada vez que você usa o fogo você deveria se lembrar que este é o mesmo fogo com o que o Criador fez o Sol. É também o fogo que o Criador colocou no coração da Mãe Terra. Você pode usar esse fogo prá se comunicar com o Criador. Você pode usá-lo para seu Tabaco deixando a sua fumaça carregar as suas orações para Gitchie Manito. Essa fumaça será como seus pensamentos como se você os pudesse ver.

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---Com esses ensinamentos, o Homem do Fogo enviou fogo pelo Homem Original para que o levasse de volta a Nokomis. O Homem Original colocou fogo numa pedra pequena abolada que a Nokomis a tinha enviado por ele. Era uma longa e difícil caminhada de volta à cabana de Nokomis. O Homem Original tinha que ser cuidadoso para não deixar cair o fogo sobre o piche no fundo do lago que havia secado ou em qualquer outro lugar que ele pudesse começar um fogo tão grande que poderia queimar o mundo inteiro. Ele tinha que ser cuidadoso para não deixar cair o fogo enquanto ele cruzava aquele lugar rochoso. Ele tinha que ser cuidadoso para não deixar que o vento que nunca parava de soprar apagasse o fogo quando ele atravessasse as planícies. Ele também tinha que ter muito cuidado quando atravessasse o lago para que a água não apagasse o fogo.

--Nokomis estava muito feliz em vê-lo quando se aproximou da sua casa. O fogo que ele trouxe mudou drasticamente as suas vidas. Muitos animais que eram bons para serem comidos se ofereceram para o Homem Original. Alguns dos animais lhe contaram sobre outros animais que eram bons para serem comidos.
As perguntas que o Homem Original tinha para Nokomis nunca acabavam. Ele continuava a pressioná-la para saber mais sobre a sua mãe e o seu pai. Ela tinha dificuldade de segurar aquela informação à medida que a curiosidade do Homem Original crescia e crescia. Acreditava que ele ainda não estava pronto para isso.
--Nokomis estava um pouco triste porque o seu tempo com o Homem Original estava chegando ao fim. Ainda assim, ela estava um pouco feliz porque o Criador tinha lhe dito que quando ela tivesse terminado de preparar o Homem Original em tudo aquilo que ele precisava saber para sua vida na Terra, ela seria enviada para um lugar especial. Ela seria enviada para viver com a Lua e cuidar das mudanças dela e dos efeitos daquelas mudanças que a Terra sentia – coisas como as marés dos mares, crescimento das plantas, as ações dos animais e muito mais. Nokomis deveria também olhar todas as mulheres que iriam habitar a Terra.

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--O Homem Original soube pela Nokomis que a sua mãe morava no Wa-ba-noog’ (Leste) e que o seu pai vivia no Ning-ga’-be’uh’nunoog’ (Oeste). Ela até disse que ele tinha um irmão gêmeo. Nokomis lhe disse que existem coisas na vida pelas quais nós devemos ir atrás e procurar por elas; elas simplesmente não chegam até aquela pessoa. Assim é com o conhecimento. É assim com muitas outras coisas.
--O Homem Original amava muito Nokomis e ele ficava triste ao pensar no quando a deixasse, mas ele sabia que havia muitas coisas no mundo esperando por ele para serem descobertas e para aprender delas. Ele estava seguro que Nokomis agora se sentia confortável e estava bem provida. Ele sabia que o tempo era certo para deixá-la e para prosseguir numa outra jornada, desta vez para encontrar seu irmão gêmeo, sua mãe e o seu pai.
--Quando o Homem Original estava deixando Nokomis, ela lhe disse, “Neto, agora que eu me despeço de você eu irei te chamar de Anishinabe. Você é o primeiro das pessoas que irão viver na Terra. Você é o seu ancestral, por isso eles também se chamarão Anishinabe.”
--Existem muitas lições importantes pras nossas vidas escondidas nesses ensinamentos do Homem Original e da sua Avó. No final dessa história o Homem Original e a Nokomis estavam tristes ao ver o seu tempo juntos chegando ao fim, mas eles também estavam felizes com as coisas bonitas que estavam lhes esperando no futuro. Assim é também com a nossa vida na Terra. Claro, nós ficamos tristes ao pensar na morte e por pensar em nossos amigos e lugares que amamos. Mas, nós devíamos ficar felizes em saber que existem coisas bonitas que nos aguardam quando deixarmos essa vida.
--Pensem em todos esses ensinamentos e as lições que eles trazem para vocês. Gi’-ga-wa-ba-min’ na-gutch’! (Até Logo!)

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