domingo, 25 de abril de 2010

Capítulo 4
-As Primeiras pessoas da Terra

Boozhoo! É bom vê-los novamente. Mas já se passou um longo tempo desde que conversamos. Desta vez, este ensinamento nos leva à primeira união entre o homem e a mulher na terra e eu gostaria de apresentar alguém muito especial para vocês. Esta é a mulher que tem muito significado para minha vida. Esta é a minha mulher Nokomis. Ela recebeu este nome para honrar todas as avós, assim como no tempo da avó do Homem Original. Ela entrará na nossa história neste momento.

Boozhoo! É uma grande honra para mim, Nokomis, compartilhar com vocês o ensino dos primeiros povos da Terra.

Quando nós deixamos o Homem Original em nosso último capítulo, ele estava deixando a tenda de sua avó para procurar sua mãe, seu pai e seu irmão gêmeo. As últimas palavras de sua Avó foram: “De agora em diante vou chamá-lo ‘Anishinabe’” e de agora em diante nós vamos usar este nome quando nos referirmos ao Homem Original durante estes ensinamentos.”
Anishinabe percebeu que seu pai vivia no Oeste, na terra do Ani-mi-keeg’ (seres trovão). Ele viajou nesta direção e usou o movimento do sol no céu para guiá-lo em um caminho certo. Ele teve que viajar dando a volta em muitos lagos e atravessar muitos córregos.
Uma noite, ele fez seu acampamento na costa oeste de um grande lago. Na manhã seguinte, ele acordou com uma bela na-ga-moon’ (música) que parecia flutuar sobre a água do lago. Ela veio com os primeiros raios do sol do novo dia do Leste. Não importava o quanto Anishinabe se esforçava para olhar, pois ele não conseguia distinguir quem ou o que estava produzindo aquela bela canção. Sabia que devia continuar na sua viagem para o Oeste caso quisesse encontrar seu pai, e mesmo assim, essa música o estava chamando de volta para o Leste. Ele se esforçava numa luta interna pensando no que deveria fazer. Finalmente, decidiu deixar de lado a busca por seu pai e seguir para o Leste em busca da origem da bela canção.
Anishinabe fez a canoa de casca de Wee'-gwas (bétula, a árvore). Isto levou quatro dias. Todos os dias, ao amanhecer e ao anoitecer, a música se repetia. Na madrugada do quinto dia, ele entrou na nova jee-mon’ (canoa). Com remo que ele tinha esculpido a partir de uma nogueira, Anishinabe atravessou as águas na direção ao Sol nascente e à bela canção.
Quando o sol estava se pondo atrás dele no Oeste do céu, Anishinabe chegou à costa leste do lago. Lá ele viu uma bela wee-giwahm´ (tenda) feita de mudas e casca de bétulas. A Baw-shki’-na-way’ (fumaça) bailava do topo da tenda. Anishinabe colocou sua canoa e se aproximou dessa “tenda cantante” com muito cuidado
A porta da tenda era voltada para o sol poente. Quando ele olhou para o interior, ele perdeu a respiração. Os raios do Sol poente estavam brilhando sobre a Filha do Homem do Fogo! O que ele havia sentido quando a tinha visto com o Homem do Fogo pela primeira vez voltou e ele pensou que iria estourar de alegria. Sua beleza era estonteante!
Sua música parou e ela falou: “Geen-wayzh'in-da-ka-wa-ba-min” (Há muito tempo que aguardo a sua vinda). "Eu preparei este lugar para nós.” Anishinabe olhou em volta. Ele se encontrava na tenda mais bonita que já tinha visto. O chão estava coberto de peles de muitos animais. No meio havia uma pequena fogueira que continha um fogo acolhedor. Anishinabe estava tão cheio de felicidade! Agora lhe parecia claro que o Criador lhe havia levado a este lugar e tempo. Ele entendeu que muitas vezes temos que colocar nossos próprios planos e desejos de lado e seguirmos os caminhos que o grande mistério coloca diante de nós.
Anishinabe e a Filha do Homem do Fogo formaram um we-di-gay'-win "(união ou casamento) entre homem e mulher que nunca havia sido formado na Mãe Terra. Sua união foi consumada e sagrada aos olhos do Gitchie Manito. O zah-gi'-di-win´ (amor), que fluía entre eles era real e duradouro. Anishinabe se lembrava de como a Filha do Homem do Fogo estava bela quando a viu iluminada pelos raios do sol poente. Decidiu, então, que para ajudar a preservar essa beleza na mulher, tomaria para si a responsabilidade de fazer as coisas mais árduas que fossem necessárias para a sua sobrevivência. Cada um moldou seus papéis para que houvesse boa comida e sua casa fosse ao mesmo tempo bonita e confortável. A coisa mais importante que Anishinabe vinculava à Filha do Homem do Fogo era a sensação de ma-na'-ji-win’ (respeito) que partilhavam entre si. Este fundamento de respeito foi muito importante para guiar uniões futuras entre homens e mulheres.

Da união de Anishinabe e a Filha do Homem do Fogo, quatro gwe-wi-zayn'-sug’ (Filhos) nasceram. Eles foram criados com os ensinamentos que Anishinabe havia aprendido de sua Avó e de suas jornadas ao redor da Terra.
Quando esses filhos se tornaram jovens, Anishinabe e a Filha do Homem do Fogo enviaram cada um deles a uma longa viagem. Cada filho foi enviado para uma das quatro direções.
O filho chamado Gi-way’-din viajou para o Norte. Depois de viajar por um longo tempo, ele chegou a um lugar onde uma fogueira ardia sobre a Terra. Por trás desse fogo estava sentado um homem velho e jovem e uma mulher jovem e muito bonita.
"Eu sou o Ish-kwan-day'-wi-nini (Homem da Porta ou Guardião do Portal) do Norte e essa é minha Filha”, disse ele. “Você está entrando em uma terra onde a Mãe Terra é purificada todos os anos por uma grande quantidade de neve. Mesmo os grandes lagos e rios nessa região ficam congelados no ciclo da Mãe Terra. Esta é a casa do Poder do Urso. O Poderoso do Urso é o guardião dos muitos segredos de como as doenças podem ser curadas. Haverá épocas em que luzes coloridas virão para o céu do Norte. Elas são chamadas de Wa-wa-sayg’ (Aurora Boreal). Elas saem para dançar, quando o Poder do Urso está no seu auge”.
Nesta hora, o Guardião do Portal Norte ateou fogo a uma longa trança de grama. "Este é We-skwu 'ma-shko seh' (Capim Doce ou Sweetgrass). Foi a primeira planta a crescer na Mãe Terra. Por esta razão, nós trançamos essa grama como se fosse o cabelo da sua Mãe. A fumaça do Sweetgrass(Capim Doce) irá manter o mal longe da sua casa e vai mantê-lo seguro durante as suas viagens.”
Este filho viajou e explorou a beleza do Norte. Às vezes ele via as luzes no céu do Norte das quais o Guardião havia falado. Ele percebeu que todas as cores do Universo vinham e dançavam com a estrela do mundo.
O filho chamado Wa-bun’ viajou para o Leste. Depois de caminhar por longos caminhos, ele também chegou a uma fogueira cuidada por um homem velho e uma jovem mulher.
“Eu sou Ish-kwan-day’-wi-nini (Guardião) do Leste”, ele disse. “A fonte de todo conhecimento. Na sua viagem preste atenção em todas as coisas que a sua Mãe Terra tem para lhe ensinar. Eu gostaria de ensiná-lo sobre Ah-say-ma’ (Tabaco)”. O Guardião colocou algum tabaco no fogo. “O fumo do tabaco vai levar seus pensamentos para o Mundo Espiritual. Sua fumaça será seus pensamentos visíveis. Você deve usar o tabaco quando você quiser falar com o seu Avô, o Criador”.
Este filho continuou em sua viagem e finalmente chegou a uma enorme quantidade de zhe-wi-ta'-ga-ni-bi (água salgada). Lá ele saldou o sol todas as manhãs quando ele se levantava sobre a água. O nascer do sol a cada manhã parecia para este filho ser um verdadeiro ma-ma-ka'-ji-win "(milagre), que falava para ele da harmonia de toda a Criação. Também lhe ensinou que o fluxo do conhecimento e sabedoria deste mundo é infinito e cada dia oferece novas experiências e aprendizados.
O filho chamado Zha-wan' viajou para o Sul e chegou a uma terra quente onde os ventos suaves sopraram a maior parte do ano. As florestas desta terra eram de árvores de grande porte e vinhas. Os rios eram sinuosos e subiam e desciam em grandes ondulações sobre a terra. Finalmente, ele chegou a um lugar onde um homem velho e uma jovem muito bonita pareciam estar esperando por ele perto de uma fogueira.
O velho falou: "Eu sou o Ish-kwan-day'wi-nini (Guardião) do Sul. Esta é a terra de nascimento e crescimento. Esta terra está cheia das canções dos pássaros. Alguns dos pássaros vêm aqui todos os anos para escapar do rígido inverno do hemisfério norte. Quando o inverno é longo, os pássaros voam desta terra fértil e carregam consigo as de gi-ti-gay'-mi-non ' (sementes) da vida. Desta forma, a vida é alimentada em cada uma das quatro direções.”
O Guardião colocou um punhado de alguma coisa no fogo. Isto estalou e exalou um cheiro doce e medicinal. “Este é o Gi-shee-kan'dug (cedrinho)", disse. "Use isto para purificar seu corpo da doença e para protegê-lo do mal.”
O filho deixou o Guardião e sua filha e continuou sua viagem pela terra do Sul.

O filho chamado Ning-ga'-be-un viajou para o Oeste. Depois de ter andado por algum tempo notou que seu caminho estava bloqueado por chi'-wa-ji-wan (enormes montanhas), que estavam cobertas por pedras, florestas e prados. Algumas destas montanhas eram tão altas que o ar era pouco para se respirar, além da neve cobrir a terra em alguns lugares durante todo o ano. Depois de cruzar as montanhas, ele chegou a uma terra onde não havia água em lugar nenhum. Os dias eram gi-zhi-day’ (quentes) e as noites eram gi-si-naw’ (frias). Este Filho ficou surpreso com tantos tipos de plantas e animais que eram capazes de viver nesta terra seca. Ele se apressou para encontrar mais florestas e montanhas. Finalmente, ele chegou a um lugar onde um homem velho e uma jovem mulher esperavam junto a uma fogueira.
O velho disse: "Eu sou o Ish-kwan-day'-wi-nini (Guardião) do Oeste. Gostaria de lhe dar Mush’-ko-day-wushk '(Sálvia). Quando ele disse isso colocou uma folha prateada sobre o fogo. A fumaça tinha um cheiro forte. “A fumaça desta planta pode ser usada para purificar seu corpo e o seu entorno alem de mantê-lo com boa saúde. A terra do Oeste é o lugar onde o Sol se põe. E depois do lugar onde o Sol se põe é onde os gee-baw'-ug (espíritos) têm suas casas. É para este mundo que todos os espíritos viajam depois que suas vidas terminam na Terra. Você deve ter cuidado para não temer estes espíritos nem o caminho dos que partiram. Ao invés disso, aprecie as alegrias da vida com as quais você é abençoado nesta Terra.
O filho continuou seu caminho e vagou pelas terras do Oeste. Ele também chegou a uma enorme quantidade de água com sabor de sal. O Sol poente parecia representar a conclusão do ciclo de vida.
Após os quatro filhos terem explorado estas terras cada qual voltou para os Portais destas direções e pediram aos Guardiões permissão para levar as suas Filhas e construírem lares para si. “Cada um destes casais descobriu a felicidade de we-di-gay’-win”. Eles formaram círculos que eram fortes e inquebráveis. Estes círculos representavam a harmonia e plenitude que pode acontecer quando o homem e a mulher juntam suas vidas de uma maneira sagrada.

As uniões de cada uma destas novas famílias foram abençoadas com nee-jaw-ni-sug’ (crianças). Não se passaram muitos anos até que essas crianças crescessem para viajar e estabelecer suas próprias famílias.As tribos começaram a crescer. Havia apenas umas poucas pessoas vivendo aqui e ali, mas em cada uma das quatro direções havia o som de caça, canto, riso, construção de cabanas, ensinamentos e todas as coisas necessárias ao desenvolvimento da vida de uma forma harmoniosa.
A vida em alguns lugares era difícil para o povo. Diz-se que houve uma época em que o gelo veio do Norte e cobriu grande parte da Terra. Em algumas aldeias, alguns homens teriam que correr por longas distâncias sobre o gelo e neve para se comunicar com outras aldeias e encontrar ervas medicinais e vegetais que alimentassem e que só eram encontrados aqui e ali na Terra. A tarefa dos corredores foi dificultada pelo fato de que as grandes camadas de gelo sobre a Terra mudavam gradualmente de modo que os caminhos onde existiam os vegetais para alimentação e medicamentos mudavam de tempos em tempos. Essas pessoas que viviam nessas vastas extensões de gelo e neve foram chamadas Oh-kwa-ming'-nini-wug’ "(Homens do Gelo). Os homens que se especializaram como os corredores eram uma raça especial de homens. Por causa dos seus sacrifícios para o povo, foi-lhes dado um alto lugar de honra.
Tem sido contado através das eras, que uma vez um grupo de corredores encontrou filhotes de lobo no deserto congelando e os levou para a aldeia. Eles pensavam que os filhotes poderiam ser criados como cães e cozidos e comidos, se em algum momento as pessoas tivessem alguma necessidade desesperada de alimento. Os filhotes, porém, quiseram buscar outro caminho para se tornarem úteis para as pessoas. Quando eles cresceram, começaram a ir ao encontro dos corredores exaustos e levá-los para casa. Em uma ocasião, um dos maiores cães falou para os corredores e instruiu-os na elaboração de um zhoosh-ku'-da-bahn (trenó). Este cão contou-lhes como seis cães poderiam ser atrelados em um trenó e que isso levaria um homem muito mais rápido e mais longe sobre a neve. Eles poderiam ampliar sua comunicação com outras aldeias e as suas expedições para conseguir recolher alimentos.
Esta Iigação do homem e do cão foi muito importante, pois combinou a inteligência do homem com a intuição do cão. Se um homem se perdia no deserto, aos cães poderiam levá-lo de volta para casa. Esta união do homem e do cão também foi importante porque lembrava o ensino do vínculo que existia entre Anishinabe e o Lobo em suas jornadas pela Terra.
O número sete, obtido pela união dos seis cães e um homem sobre o trenó, tornou-se um número muito especial para o povo da Terra a medida que os seus caminhos espirituais se desenvolveram.
Não importa o quanto a vida era difícil para o primeiro povo da Terra. Todos os dias eram reconhecidos como portadores de experiências bonitas e novas lições a serem aprendidas do mundo que os cercava. As o-day-nah-wayn'-sun’ (pequenas aldeias) do povo cresciam. Novas aldeias foram formadas aqui e ali, em toda a Mãe Terra.
Termino este ensinamento aqui. Mishomis e eu vamos continuar na próxima vez com as histórias que foram passadas para nós de como a vida se desenvolveu para estes primeiros povos da Terra. Mi-gwetch’ (Obrigada)!

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